Indústria de multas ou de mortos? O que é mito o que é verdade nessa polêmica.


OU DE MORTOS?

Há 24 anos atuando nas áreas de educação e fiscalização de trânsito, ouço falar sobre a indústria de multas. Jamais soube de que algum órgão de trânsito estipulasse “metas de autuações” a seus agentes (como fazem as genuínas indústrias, que buscam alcançar metas), mas o folclore da indústria de multas sempre esteve presente.
Recentemente, o IPEA divulgou estudo no qual conclui que os acidentes de trânsito no Brasil custam 40 bilhões de reais/ano. Nesse montante não estão computados os gastos com a sinalização viária, a educação de trânsito (embora esta seja um atividade reconhecidamente tímida no país) e a fiscalização (incluídos gastos com combustível e manutenção de viaturas, treinamento e salários dos agentes de trânsito, manutenção de guinchos e guarda dos depósitos de veículos, e com a complexa estrutura recursal – utilizada, na maioria das vezes, para que o infrator de trânsito possa protelar o cumprimento da penalidade que lhe foi imposta).
Por outro lado, essa ficta indústria de multas arrecada menos de 7 bilhões de reais/ano. Como se as mortes já não fossem argumento suficiente para um esforço de reversão desse quadro, os números desmentem a tese da indústria de multas.
A vergonha do Holocausto frutificou a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”; as mudanças climáticas, provocadas especialmente pela poluição, alavancaram as discussões sobre a preservação do meio ambiente e o surgimento do “Protocolo de Kyoto”; em tempos de “Operação Lava Jato”, o governo suíço que, até então, não se mostrava muito preocupado com a origem do dinheiro que entrava naquele país, passou a colaborar com o governo do Brasil prestando informações sobre contas bancárias suspeitas de brasileiros na Suíça. A postura do governo suíço não traduz caridade, mas a preocupação do Grupo dos Sete (países mais industrializados do mundo) com o dinheiro enviado a paraísos fiscais como a Suíça e, depois, utilizado para financiar operações terroristas.
Assim evolui a humanidade, assim evoluem as sociedades: a solavancos. Não há esforço por parte dos atores responsáveis pela tragédia que vivemos no trânsito no país.
A folclórica indústria de multas fiscaliza timidamente
Cerca de 80% dos municípios brasileiros não têm agentes de trânsito). O Legislativo não se preocupa em alterar o CTB naquilo que é essencial ao trânsito seguro. As alterações realizadas de 1998 para cá, em sua maioria, não deram maior efetividade à fiscalização.
O Judiciário expede liminares para autorizar o licenciamento de veículos com enorme quantidade de multas (veículos de infratores contumazes, aptos a matar ou morrer). Autorizou, ainda, os condutores de ciclomotores a transitarem sem qualquer habilitação até que o Contran reveja a norma que disciplina o processo de obtenção da Autorização para Conduzir Ciclomotores. Como se, por força dessa medida judicial, os acidentes de trânsito envolvendo ciclomotores estivessem suspensos aguardando a nova regulamentação.
A sociedade também não se mostra sensibilizada. Com festas open bar e redes sociais utilizadas para informar aos que bebem e dirigem os locais em que há fiscalização, milita a favor das mortes no trânsito. Até que ponto será necessário piorar (são aproximadamente 45 mil mortes/ano), antes de testemunharmos um trânsito com estatísticas minimamente civilizadas?

Artigo do Major da PM, Arnaldo Luis Theodosio Pazetti, trabalha no Detran/SP e integra a Câmara Temática de Esforço Legal do Contran e o Cetran/SP.

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