O SINDICALISTA LEPROSO

Artigo cedido por Francisco Gérson Marques de Lima
Doutor em Direito, Professor da Universidade Federal do Ceará, Tutor do
GRUPE, Procurador Regional do Trabalho (MPT/CONALIS-CE)


O jovem João Hernesto entrou no movimento sindical
porque não suportava mais ver tanta exploração do
trabalhador, tanta injustiça social, tanta miséria.
Pode-se dizer que era uma pessoa feliz. Proveniente de
classe humilde, educado sob os melhores princípios
morais e religiosos, guardava no peito virtudes caras ao
ser humano. Os pais o ensinaram, desde cedo, a ser
honesto, sincero, a cultivar a amizade, a respeitar as
pessoas, a não mentir, a ser humilde. Ensinaram-no,
também, a ser aguerrido, a lutar pelos ideais, a defender
a justiça, a ser destemido na defesa do que fosse
correto. Afinal, ter valores cívicos era o lema dos anos
60. Estas características talharam João Hernesto a ser
defensor da causa social. Um paladino popular.
Na escola, já se destacava na luta pelos ideais da
educação, que deveria ser pública. Chegou a ser líder
estudantil e a integrar os grupos que reivindicavam mais
investimento na formação escolar dos jovens, das
crianças e adolescentes. Esteve do lado dos gays, das
mulheres, dos negros e de outras tantas minorias,
combatendo a discriminação. Nesta luta, a Polícia o
prendeu. Conheceu o sofrimento dos desassistidos, dos
desempregados, dos esquecidos pelo Estado.
Foi quando participou de alguns eventos promovidos
pelo movimento sindical, na busca por democracia, por
liberdade, por emprego, por igualdade social. Era o final
da década de 1970, ainda sob a ditadura. Nesta época,
estudava no segundo grau, fazia um curso técnico em
mecânica e trabalhava como metalúrgico. Tinha,
portanto, um dia cheio, corrido, especialmente porque,
não raramente, precisava trabalhar além da jornada
para ganhar um pouco mais, ou então porque a empresa
exigia horas extras dos empregados – e nem sempre
recebia o adicional de sobrejornada. Ao final do
expediente, dirigia-se à escola, no período noturno,
onde acabava cochilando na sala. Uma vez, quase cai da
cadeira, provocando risos dos colegas e do professor.
Era o cansaço, além de uma alimentação deficiente.
A empresa empregadora crescia a cada ano, mas os
salários continuavam minguados, muita gente
reclamando. As férias eram, quase sempre, vendidas.
Em 1981, uma crise abateu a empresa, que despediu em
massa. Colegas de trabalho, pais de família, choravam
desesperados, sem perspectiva de emprego e sem saber
se receberiam os títulos rescisórios. Surgiu um
movimento dos trabalhadores da empresa contra as 
medidas.


E lá estava João Hernesto defendendo os
interesses do grupo. Surgiu o sindicato, juntando-se à
manifestação e exigindo o cumprimento das obrigações
trabalhistas. Foi a salvação, porque a direção do
sindicato negociou com a empresa, salvando alguns
empregos e garantindo o pagamento das verbas
rescisórias. Ato corajoso, pensou, porque os líderes
poderiam ser presos pelo DOI-CODI, por transgredirem
a ordem. A conduta ativa de João Hernesto se destacou
perante os colegas, de quem ganhou admiração. Seu
nome foi muito comentado, por várias pessoas,
sobretudo pela direção da empresa, que o inseriu no rol
dos despedidos…


Mas isto abriu os olhos de João, que reconheceu a
importância da luta sindical, uma força indispensável
para o equilíbrio entre o capital e o trabalho. Em 1983,
conseguiu novo emprego fixo, graças à sua formação
técnica. Foi quando passou a participar das assembleias
sindicais. Pela volta da democracia, integrou as fileiras
pelas “Diretas Já” e foi às ruas reivindicar a
reconstitucionalização do país. Viva a Constituinte!
O ano de 1987 foi muito movimentado. Como já era
reconhecido pelos colegas, concorreu às eleições
sindicais por uma chapa de oposição. Era suplente de
qualquer coisa, não dá para lembrar direito. As eleições
foram conduzidas pelo Ministério do Trabalho, com
todo rigor e segundo uma formalidade litúrgica. A chapa
ganhou as eleições. Uma alegria só – exceto por sua
esposa, que temia por sua segurança. Ah! João Hernesto
enfrentara sérias dificuldades para casar: o pai da
namorada até gostava dele; mas quando soube que era
ligado aos movimentos sociais, que era sindicalista,
mudou radicalmente, proibindo o namoro, pois não
permitiria que a filha casasse com arruaceiro,
vagabundo, anarquista… Tá, o casamento saiu, mas em
meio a intrigas e resistências. A questão do “na alegria e
na tristeza” começou logo ali. Talvez tenha rolado uma
maldiçãozinha silenciosa…!


Veio a Constituição de 1988, depois de uma larga
batalha nas ruas do país. Não foi a melhor das leis para
o Brasil, em tema sindical, porque deixou alguns
resquícios da submissão dos sindicatos ao Estado, que
João tanto combatia ao tentar aperfeiçoar a CLT. Bom,
mas foi o possível. Graças a Deus tínhamos o velho e
sábio Ulisses Guimarães pontificando aquele momento
histórico de reabertura democrática. 


De qualquer forma, o espírito renovou. Com a nova
Constituição, as eleições sindicais seriam conduzidas
pelos próprios sindicatos. Nada de MTb ou de MPT.
Nada de “Estatuto Padrão”. Enfim, a liberdade. Agora,
era partir para a reconstrução dos direitos sociais.
Mas as negociações eram difíceis. No final da década de
1980, a inflação era enorme, criando insegurança
econômica e afetando o poder aquisitivo. Não tinha
“fiscais do Sarney” que impedisse os aumentos diários
nos supermercados, na crise que castigava
impiedosamente o país. O receio das empresas era
assustador. O desemprego estava nos píncaros. Sem
estabilidade, o trabalhador se ajoelhava aos pés dos
patrões, para manter o valioso empreguinho. Eita
tempos difíceis aqueles!


E no sindicato? Bom, a turma rachou. João Hernesto se
apegou a um punhado de colegas e montou uma chapa
de oposição, com ele na cabeça. Não foi fácil. A diretoria
modificou o estatuto e conduziu, ela própria, todo o
processo eleitoral. Ações judiciais foram ajuizadas e,
para encurtar o enredo, a chapa de João sagrou-se
vencedora por 10 votos de diferença. Aleluia! Uma
grande alegria – menos para sua preocupada mulher,
agora com um filho pequeno.
Mesmo licenciado da empresa, João quase não parava
em casa, consumido pelos deveres sindicais. A
assistência à família era posta em segundo plano. Afinal,
a defesa da categoria era mais importante. Sabia que o
líder sindical precisa renunciar a muitas coisas. Agora
tinha uma responsabilidade imensa sobre os ombros.
Centenas de trabalhadores dependiam de seu trabalho.


Na primeira assembleia da gestão, compareceram
alguns integrantes da Diretoria e um punhado
inexpressivo de trabalhadores. Instalara-se receio de
participar das assembleias, porque as empresas
poderiam marcar os comparecentes e despedi-los. E a
tal liberdade sindical prevista na Constituição? Ora,
ora… mera ficção. A legislação não tinha uma linha
sequer sobre conduta antissindical, não protegia os
trabalhadores, não punia as empresas que retaliassem
os que participassem das assembleias. João percebeu
que cabia a ele e aos demais diretores fazer o
enfrentamento. Bom, cedo se deu conta, porém, de que
somente 07 diretores tinham estabilidade. E a ciência
veio da pior forma possível: uma empresa despediu o
presidente do Conselho Fiscal, Sr. Georgenor, homem
de larga visão sindical, pedra fundamental na entidade.
Foi uma baixa sem tamanho. A Justiça reconheceu a
licitude da despedida. Fazer o quê, então? O colega
sentiu dificuldade em novo emprego. Passou um tempo
auxiliado pelo sindicato, ajudando no que podia. Mas o
sindicato não tinha grandes posses, fazendo milagre dos
pães com o orçamento. Algum tempo depois, o exmembro
do Conselho Fiscal conseguiu se empregar em
empresa de outro setor. Claro que, na entrevista de 
emprego, alegou que não queria mais saber do
movimento sindical. Enfim, renegou sua história,
vendeu sua consciência para sobreviver.


Chegou o início de 1991. João teve a ideia de realizar
manifestações na frente do sindicato empresarial, para
sensibilizá-lo a negociar o plano de saúde. Arregimentou
05 diretores, do total de 21, e 50 trabalhadores, alguns
dos quais provenientes de outras categorias. A Central
sindical custeou o carro de som. Mas a Polícia
rapidamente apareceu e dispersou o grupelho, dizendo
que transgredia a ordem pública. Dois trabalhadores
quiseram contestar o Capitão que comandava a
operação. Foram presos por desacato à autoridade.
João fugiu no carro de som, silenciosamente. Indignado.
Afinal, os “anos de chumbo” não tinham passado?
No jornal da tarde daquele mesmo dia, a imprensa
criticou os baderneiros. Onde já se viu prejudicar a
sociedade com manifestações violentas, fechando o
trânsito? Um absurdo!! Foi esta a informação que
chegou à população, que acreditou e fez coro.
De qualquer forma, o acontecimento teve um lado
positivo: outras entidades se sensibilizaram. Na semana
seguinte, estava na porta da principal empresa do setor
um carro de som maior do que o anterior. Agora, eram
mais de 100 pessoas, muitas ativistas, munidas de
apitos, distribuindo panfletos, portando faixas, falando
palavras de ordem, abordando os trabalhadores que
entravam ou saíam. João teve uma ideia: passou a ler,
no microfone do carro, as principais reivindicações, pois,
assim, seria escutado por todos. Sua voz soava
tonitroante, segura, límpida.


E seu coração vibrava. Isso
era inconcebível no regime militar. Viva a liberdade de
expressão! Viva a liberdade sindical! Agora, sim, as
empresas sentiriam a força do movimento sindical
(organizado, unido, solidário). Leu a primeira
reivindicação, explicou, pausou. Leu a segunda…
Quando lia a terceira proposta de negociação, João foi
interrompido por um cidadão empaletozado que se
identificou como Oficial de Justiça. Trazia consigo uma
liminar em interdito proibitório, onde a Justiça proibia
ao Sindicato qualquer ato que impedisse a entrada ou
saída de trabalhadores na empresa, bem como o acesso
e livre circulação de qualquer pessoa, sob pena de multa
diária de 100 salários mínimos. A mesma ordem
determinava que as manifestações do sindicato só
poderiam ser feitas a uma distância mínima de 200
metros do perímetro da empresa, contados de sua
última calçada, sob pena de incidir na mesma sanção,
além do uso de força policial. E João, atônito, enquanto
dava o ciente no documento, perguntava-se: quem
disse que estamos impedindo o acesso de pessoas à
empresa? Como o sindicato poderia ter contato com os
trabalhadores a 200 metros de distância? E porque
multa tão alta? Tudo concedido sem nenhum direito
prévio de defesa ou contraditório?


Pera aí, é possível usar o salário mínimo para este fim? Lembrou-se da
Constituição e não compreendeu qual interpretação
estava sendo feita naquele caso para amordaçar um
movimento legítimo…
No final, a negociação foi um fiasco. E João não teve
como se justificar para a categoria. Saiu chamuscado.
Em casa, a esposa Gertrudes ainda reclamou: “eu não
disse? Agradeça por não estar é preso!”
No ano seguinte, já calejado, João se antecipou à
negociação. Era hora de unir os trabalhadores.
Arquitetou sorteio de uma televisão Telefunken colorida
e de um passeio na capital do Estado. Até contratou um
cantor local para o evento, o Zé Paixão. Fez as contas na
ponta do lápis. Tinha dinheiro do imposto sindical, que
não era muito; da mensalidade dos parcos sócios; e da
taxa assistencial. Observou que poderia aproveitar a
oportunidade para criar uma aura de congraçamento. E
aproveitaria para discutir a estratégia da negociação
coletiva. Tudo com muito jeito. Nada podia dar errado.
Mas deu. É, deu errado. Três dias antes do evento, João
foi intimado de uma decisão judicial bloqueando a conta
bancária do sindicato, em virtude de denúncias sobre a
cobrança ilícita de taxa assistencial de não-filiados. A
liminar, obtida em ação do Ministério Público, foi
fulminante. E tudo foi por água abaixo… Adeus
confraternização! Adeus articulação!


A denúncia partira de um grupo de trabalhadores que
nunca pisaram no Sindicato. Talvez fossem movidos por
incentivo das empresas. Este argumento foi levado pelo
advogado à Justiça, que não o acatou por falta de prova.
Com recursos escassos, o Sindicato definhava. Contudo,
a coragem e a perseverança, aliadas à dedicação do seu
Presidente, forçaram o sindicato oposto (patronal) a
sentar na mesa para negociar. Foram quatro rodadas, a
última delas na sede da SRTE. Mas sem muito avanço.
Incansável, João partiu para o ataque. Convocou a
categoria e defendeu a necessidade de greve, pois só
assim, sofrendo prejuízos, os empresários poderiam se
sensibilizar com as reivindicações. A categoria aprovou.


Uma semana depois, a greve paralisava as atividades da
empresa. Claro que não foi 100%. Sempre têm os furagreves.
Houve aquela enxurrada de liminares e decisões
sucessivas, já conhecidas de todos, em interditos
proibitórios, ações cautelares, dissídios de abusividade
de greve, representações criminais, ações de
indenização na Justiça Comum etc. Os advogados não
tiveram trégua, foi uma batalha judicial terrível. O
sindicato resolveu apostar na defesa dos trabalhadores,
enrijecendo sua atuação, apesar das multas.
Deu certo. Ao menos em parte. Houve negociação
coletiva. O sindicato patronal reconheceu, enfim, a
Diretoria, manteve conquistas, concedeu o adicional de
tempo de serviço, majorou para 60% o adicional de hora 
extra e concedeu reajuste em 2% acima da inflação
oficial. Ainda não fora desta vez que o plano de saúde
obteve êxito. Mas a vitória reacendeu a luz da
esperança. João ficou bem na foto… Mesmo que seu
setor jurídico arrancasse os cabelos em enfrentar todas
as ações judiciais e estudasse como adiar o pagamento
das multas aplicadas pelo Judiciário. Para João, o
importante era a vitória política. Agradava-lhe ver a
categoria feliz, empolgada, com nova chama de
esperança nos olhos. Isso o confortava enquanto líder
sindical, dando-lhe a certeza do dever cumprido e de
que era possível, sim, enfrentar o capital.
No final dos anos noventa, João enfrentou uma árdua
divisão na base do Sindicato. Membros da chapa de
oposição, talvez custeados por empresas, constituíram
um novo sindicato na calada da noite, reduzindo sua
base em 50%, dificultando ainda mais sua sobrevivência.


Por se tratar de novo sindicato, que não participara dos
processos judiciais anteriores, a entidade não pagaria as
multas aplicadas pela Justiça e ainda poderia cobrar a
taxa assistencial, dando um drible no MPT. João saiu
abalado, sentindo-se à frente de um sindicato
enfraquecido. Nas eleições seguintes, as empresas
investiram pesado e João quase não se reelege. Seus
companheiros, a estas alturas, eram outros. Só alguns
da velha guarda se mantiveram fiéis. Dizem que Antonio
e Carlos foram cooptados pelos patrões, e passaram a
ser oposição no sindicato; e que Marina e Filisberto
tiveram de pendurar as chuteiras para não serem
transferidos para longe de suas famílias.
Mas João não desistia e, outra vez, levou a categoria a
vitórias em negociações coletivas. Até conseguiu o
sonho do plano de saúde.


No correr dos anos, muita coisa aconteceu. Gertrudes
não suportou mais a situação e se separou de João,
carregando os quatro filhos. O mais velho, João
Hernesto Filho, já rapaz, não conseguia emprego algum.
Seu nome era um fardo prante as empresas, pela fama
do pai; na escola, não ia muito bem. Na infância, os
professores achavam que sofria de algum distúrbio,
certamente causado pela falta do pai. Agora, adulto,
sofria do mesmo carma de João: sentia dificuldade em
namorar porque os pais das garotas pretendiam coisa
melhor para elas. O segundo filho, adolescente, tinha
amizades selecionadas… a seleção era dos pais dos
outros garotos, que não queriam seus filhos misturados
com crias de arruaceiros. Os dois mais novos tinham
pouca convivência com o pai. Algum tempo depois, João
viveu em união estável com outra mulher, a Flor.
Tratava-se de pessoa estudada: era professora de escola
pública e entendia melhor a luta incansável de João.
Mas as ausências constantes do lar, as viagens
frequentes do marido, com as dificuldades financeiras,
levaram, também, à separação. Ela se casou com outro
professor, no interior do Estado, e levou consigo a única 
filha da relação, a Rosinha. E João, enfim, vivia só,
passando a maior parte do tempo no sindicato,
dedicando-se de corpo e alma.


Chegou a integrar a Federação, fez parte da diretoria da Confederação e
presidiu a Central. Ganhou nome e fama nacionais.
Muitos sindicalistas o escutavam e tinham muito
respeito às suas palavras. Tornou-se um símbolo da luta
sindical, exemplo de perseverança e honestidade.
Mas João esqueceu que os anos passam. Certo dia,
olhou-se no espelho e viu as rugas do tempo impiedoso.


Quase não tinha mais cabelos, os poucos
remanescentes formavam uma penugem branca.
Percebeu que era um sujeito velho, cansado, maltratado
pela vida, sofrido, cheio de marcas de traições e muita
preocupação política. Ainda achava, mesmo sem a
mesma convicção de antes, que a luta valera à pena. No
plano nacional, aguardava mudanças, que nunca
vinham dos Presidentes da República, que se sucediam.
Um dia, sentiu-se mal e foi levado ao médico pela
Secretária da Federação, D. Cleonice. A saúde estava
extremamente abalada. Por recomendação médica,
afastou-se de todas suas atividades e se submeteu a um
tratamento quimioterápico por 06 meses. Cumpriu
rigorosamente, para não morrer. Tempo suficiente para
a política sindical mudar. Sim, ela muda do dia pra noite.
Quando voltou, ainda debilitado, tinham ocorrido as
eleições na Federação. Ganhara a oposição. Os novos
diretores tomaram seu birô e o mandaram retirar seus
pertences. Agora, seriam novos tempos. E João saiu,
cabisbaixo – ninguém notou, mas ele deixou rolar uma
lágrima.


Ah, parece que D. Cleonice percebeu, mas
disfarçou, pois qualquer proximidade com ele poderia
fazê-la perder o emprego. João não teve mais espaço
nem no Sindicato, ora dirigido por outras pessoas. E
quando o Leão está morto, os ratos passeiam sobre ele.
Sem respaldo político e sem mandato, em breve não
teria mais estabilidade. Teve de voltar a trabalhar na
empresa da qual estava licenciado havia anos. Sentiu
grande dificuldade. Como as coisas tinham mudado! O
trabalho não era mais o mesmo. A turma era jovem e
nem sequer sabia a história de João Hernesto, que lhe
parecia um velho inconsequente, sem ritmo, lento, que
não tinha o pique necessário para manter a
produtividade. Enfim, atrapalhava a Turma. E os rapazes
o isolaram. Estabeleceu-se um clima de assédio moral. E
isto agravou a doença de João, que teve recaídas
sucessivas. A empresa aguardou o fim da estabilidade e,
alegando incapacidade para o trabalho, despediu-o. Até
pagou as verbas rescisórias, que não foram muito. Mas
ele ainda não tinha completado os requisitos da
aposentadoria. Tentou argumentar com a empresa para
permanecer no serviço, ou em outra atividade, até a
aposentadoria. O gerente não quis saber, lembrando-se
das greves, das manifestações do passado. 


Sem esposa, sem família, sem emprego… João procurou
o Sindicato, procurou a Federação, procurou a
Confederação… foi até à Central. Nada. Tudo mudara.
Reconheceu a vingança dos opositores de anos
anteriores e o desprezo dos novatos. Insensíveis.
João caiu doente. Não tinha como pagar os remédios.
Foi a um hospital público, de atendimento péssimo.
Ligou para os filhos, os quais não nutriam grandes
sentimentos por ele, já que a maior parte da vida fora
de afastamento. Lembrou de amigos antigos do
movimento sindical. Alguns tinham ido embora, outros
não queriam se aproximar dele.
E João foi condenado ao degredo. Viveu como indigente
o resto de seus dias. E morreu esquecido, na penúria….


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Histórias como esta, de sindicalistas esquecidos,
remetidos ao ostracismo, abandonados, que falecem na
miséria, são mais comuns do que se imagina. Grandes e
importantes sindicalistas foram jogados no
esquecimento, como um resto de alimento que não tem
mais serventia alguma. Sua história é deletada e ele não
encontra amparo em nenhum lugar, com a memória
renegada. Os amigos se afastam e o próprio movimento
sindical o rejeita.


Nisto tudo, é fato que o sindicalista sofre da síndrome
do leproso: ninguém quer estar perto dele. Se é
combativo, constitui ameaça às empresas e faz a
sociedade recriminá-lo; se é pelego, as oposições o
atropelarão um dia. Sua presença ameaça contaminar o
ar que se respira. É persona non grata. E este
sentimento se espalha a seus filhos e familiares mais
próximos. Triste assim. Para suportar um sindicalista, só
outro sindicalista não se sabe até quando.
Mas a infelicidade aqui denunciada precisa ser
prevenida. Não é justo deixar que esses heróis da luta
social sejam abandonados à própria sorte quando não
sirvam mais à batalha social. Urge se estabeleça uma
política sindical de amparo aos ex-sindicalistas,
protegendo-os dos infortúnios que as armadilhas da
vida apresentam.


O movimento sindicato precisa se estruturar para
amparar seus líderes, esses leprosos que carregam
consigo a triste chaga que os afasta da convivência dos
homens. Então, o sindicalismo tem uma grande
responsabilidade para com estas pessoas espetaculares,
que se dedicaram, por anos, à luta social, enfrentando
prisões, apanhando, passando noites sem dormir,
sacrificando a família e correndo riscos. Talvez
aposentadoria privada, Previdência complementar,
Fundos específicos…


Algo precisa ser feito. 

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